segunda-feira, 11 de julho de 2011

POESIAS E POETAS PREFERIDOS



CANÇÃO DA TARDE NO CAMPO


Caminho do campo verde
 estrada depois de estrada.
Cercas de flores, palmeiras,
serra azul, água calada.

Eu ando sozinha
no meio do vale.
Mas a tarde é minha.

Meus pés vão pisando a terra
 Que é a imagem da minha vida:
tão vazia mas tão bela,
 tão certa, mas tão perdida!

Eu ando sozinha
por cima de pedras.
Mas a flor é minha.

Os meus passos no caminho
são como os passos da lua;
vou chegando, vai fugindo,
minha alma é a sombra da tua.

Eu ando sozinha
por dentro de bosques.
Mas a fonte é minha.

De tanto olhar para longe,
 não vejo o que passa perto,
 meu peito é puro deserto.
Subo monte, desço monte,

Eu ando sozinha
ao longo da noite,
Mas a estrela é minha


                             Cecília Meirelles










Ouvir Estrelas

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir o sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizes, quando não estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas".

                    Olavo Bilac









ESTATUTO DO HOMEM 
   (Ato Institucional Permanente)
  

    Artigo I

   Fica decretado que agora vale a verdade.
   agora vale a vida,
   e de mãos dadas,
   marcharemos todos pela vida verdadeira.


   Artigo II


   Fica decretado que todos os dias da semana,
   inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
   têm direito a converter-se em manhãs de domingo.


   Artigo III

   Fica decretado que, a partir deste instante,
   haverá girassóis em todas as janelas,
   que os girassóis terão direito
   a abrir-se dentro da sombra;
   e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
   abertas para o verde onde cresce a esperança.


   Artigo IV

   Fica decretado que o homem
   não precisará nunca mais
   duvidar do homem.
   Que o homem confiará no homem
   como a palmeira confia no vento,
   como o vento confia no ar,
   como o ar confia no campo azul do céu.

           Parágrafo único:

           O homem, confiará no homem
           como um menino confia em outro menino.


   Artigo V

   Fica decretado que os homens
   estão livres do jugo da mentira.
   Nunca mais será preciso usar
   a couraça do silêncio
   nem a armadura de palavras.
   O homem se sentará à mesa
   com seu olhar limpo
   porque a verdade passará a ser servida
   antes da sobremesa.


   Artigo VI

   Fica estabelecida, durante dez séculos,
   a prática sonhada pelo profeta Isaías,
   e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
   e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.


   Artigo VII


   Por decreto irrevogável fica estabelecido
   o reinado permanente da justiça e da claridade,
   e a alegria será uma bandeira generosa
   para sempre desfraldada na alma do povo.


   Artigo VIII
 

   Fica decretado que a maior dor
   sempre foi e será sempre
   não poder dar-se amor a quem se ama
   e saber que é a água
   que dá à planta o milagre da flor.


   Artigo IX


   Fica permitido que o pão de cada dia
   tenha no homem o sinal de seu suor.
   Mas que sobretudo tenha
   sempre o quente sabor da ternura.


   Artigo X


   Fica permitido a qualquer pessoa,
   qualquer hora da vida,
   o uso do traje branco.


   Artigo XI

   Fica decretado, por definição,
   que o homem é um animal que ama
   e que por isso é belo,
   muito mais belo que a estrela da manhã.


   Artigo XII

   Decreta-se que nada será obrigado
   nem proibido,
   tudo será permitido,
   inclusive brincar com os rinocerontes
   e caminhar pelas tardes
   com uma imensa begônia na lapela.

           Parágrafo único:

           Só uma coisa fica proibida:
           amar sem amor.


   Artigo XIII

   Fica decretado que o dinheiro
   não poderá nunca mais comprar
   o sol das manhãs vindouras.
   Expulso do grande baú do medo,
   o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
   para defender o direito de cantar
   e a festa do dia que chegou.


   Artigo Final.

   Fica proibido o uso da palavra liberdade,
   a qual será suprimida dos dicionários
   e do pântano enganoso das bocas.
   A partir deste instante
   a liberdade será algo vivo e transparente
   como um fogo ou um rio,
   e a sua morada será sempre
   o coração do homem.

                        Thiago de Mello


















            Um Sussurro pra Daniel

O sol prorrompe
em raios luminosos,
dourando o horizonte,
ainda sombreado,  
pelos derradeiros vestígios
de uma noite agonizante.

Lá longe,
um belo campo de girassóis balouçantes
ao sopro do forte vento matinal,
 que zunia por entre frestas
e ramarias do arvoredo.

Já despertas, as borboletas multicoloridas
tresvariam às margens do riacho displicente,
 que percorre, agilmente, seu curso.
Suas águas Iímpidas
borbulham como lágrimas
de criança contrariada.

Agachando-me suavemente,
prossegui espetando às ocultas,
o vôo bólido e balanceado das andorinhas  
que trissando,
 coreografavam cenas ligeiras e sincronizadas,
 como se elaboradas fossem,
por bailarinas aladas.

Extasiado,
cerro as pálpebras cansadas.
 Deixo-me evadir no riacho da ternura  
e ancoro no teu regaço acolhedor
de zeloso companheiro,  
que me inspira versos,
 pela vida inteira.

Romildo Ernesto de leitão Mendes 





ENIGMA





Ser como sou,
carisma!...
Alegre ou triste,
eterno fingidor!
Se amante, aparentemente,
desligado.
Quando odeio
sutil gozador!

Ser como sou,
dilema!
Poeta, pintor,
profeta ou criatura?
Que importa?!

Sou tudo
alegria,
ternura,
você.

 São Paulo    18 de abril de 1986
Romildo Ernesto de  Leitão Mendes






Confronto

        Eu sei dizer.
          É bom que diga.
          Mas não querem ouvir.
          Não querem crescer.
          Não querem pensar.
          Não querem ser.

         Por que iniciar uma cavalgada por onde já trilhei?
         Não seria mais fácil,
         partir de onde me encontro,
         para o infinito desconhecido?

         Eu sei dizer.
         E por isso lhes digo:
         o início é sempre agora;
         o futuro é o presente seguinte.
         A tristeza duradora- apenas instante.
         A alegria eterna- semente da saudade.

         Porque apressar o que vem?
         Porque antecipar o ainda feto?
         Bom é caminhar e caminhando seguir
         para chegar,
         para usufruir,
         para viver,
         para ser,
         para não morrer.

        Montes Claros ,   18 de dezembro de 1981
        Romildo E L Mendes




Complementação
            Quando até as coisas simples
                perderam o sabor,
                você entrou em minha vida,
                impregnando-me de alegria.
                Aí, percebi que éramos um.

               São Paulo  18-10-1984
                Romildo E L Mendes




Apenas
        Há um século não nos vemos.
          E sábado passado, repousava no meu regaço!
          Tudo era carinho.
          Nenhuma promessa.

          “Te vejo amanhã.”
          “Não! Voltarei no fim da semana.”
           Últimas palavras que o sol testemunhou.

           Vem!
           Deixa-me respirar a tua presença,
           apenas.

           São Paulo  22-03-1984
           Romildo E L Mendes




                                               
     
                                                             Meu Recanto
 
                                                                              Casa limpa.
                                                                              Casa límpida.
                                                                              Casa saneada;
                                                                              não mais notícias más;
                                                                              não mais egoísmo;
                                                                              total ausência de mentiras.

                                                                               Discreta,
                                                                               já não fere a decência.
                                                                               Transbordante de paz.
                                                                               Repleta de serenidade.

                                                                               Agora, porta que acolhe;
                                                                                              local que ouve:
                                                                                              seta que aponta caminhos.


                                                                                          Romildo Ernesto de Leitão  Mendes                                     
                                                                                                Montes claros 17-09-2007







                                                                       Esperança
                                                    Ah! Lembranças cavalgam nas asas da saudade.
                                                    O que será que buscam ou procura?
                                                    Rasteiam momentos de amor de noites passadas?
                                                    Vasculham tristes momentos de ausência constante?

                                                   Ah! Sem duvida!
                                                   Cada partida é a plastificação da solidão-vazia.
                                                   A expectativa do retorno preenche de esperança
                                                   o momento do reencontro.

       
                                                   Montes Claros   21-09-2007
                                                   Romildo E L Mendes






             Regressão

         No crepúsculo da vida,
            busco fantasmas da infância,
            no baú das recordações.

            Neste forçar, retorno à meninice
            e defronto-me com o portão do fundo do quintal.
            Se abro o velho portão,
            deparo-me com o rio Jaguaribe!
            Ora, exuberante, se no chuvoso inverno nordestino.
            Ora, evaporado e ressequido,
            ostentando o leito arenoso,
            durante a estiagem longa.

           Se abrem o tal portão,
           estanco perplexo e frágil !
           Há, sempre possibilidade de devassidão,
           segundo a fantasia pueril.

           Portão de fugas ingênuas e outras escapadelas...
           Portão, portal surrupiador de sonhos ternos de crianças.

          Ainda hoje, o velho portão me apavora,
                                                           me enternece,
                                                           me entristece.


          Montes Claros   29-04-2009
          Romildo E L Mendes



Imprudência

Amei, só!
A saudade produz solidão doida.
Amei só!
Dolorosa amargura,
resultante da gostosa imprudência.
Imprudência de se dar sem ser querido,
sem ser amado,
sem ser compreendido.


Montes Claros 11-06-2006
Romildo E L Mendes


Delírio

 
Se sonho com você,
     realizo-me
     proclamando sua existência.
     Se, ao recordar-me de você,
     perco-me em divagações e delirando esboço
     uma diáfana silhueta oposta a sua...

     Você se esvai.
     Flutuo e dissolvemo-nos.
     Resta o nada.


       Montes Claros      13-06-2006
       Romildo E L Mendes





Romildo E L Mendes



     O Menino e o Corredor
         No fluxo e refluxo da maré

           de amargas recordações da infância,

           sempre defronto-me

           com dois longos corredores. 



           No corredor do abrigo no interior,

           deslizava-me perplexo,

           entre a sala de visitas e o fundo do quintal,

           até a exaustão física e mental.



           Corria, gritava,

           meneava a cabeça de um lado para o outro,

           tentando estancar

           o suspiro ávido dos amantes!



          No corredor da capital,

          permanecia estático,

          inerte e estupefato.



          A porta entreaberta

          enfraquecia a inocência

          e estilhaçava a perspectiva de pureza.



          Fugir, sem pestanejar,

          era o desejo imediato.

          Anelo impossível!



          Obstáculos intransponíveis:

          à direita um coati selvagem;

          à esquerda uma janela no terceiro andar.



         Quero evadir-me, não posso!

         Nenhum ‘bando de pássaros selvagens passou por ali”.

         Embora, minha rosa fosse falsa,

         eu não era o “Pequeno Príncipe”.  







        Montes Claros    02-05-2009
ROMILDO ERNESTO DE LEITÃO MENDES

                                         Lucidez Poética

         Ao envelhecer,
        meu rosto perdeu o viço da juventude.
        Já não posso trapacear a idade
        acumulada nos anos vividos.
        Minha idade é facilmente notada
       na face marcada pela ancianidade.
       Ah! Mas, a intensidade dos sonhos
       é a mesma, já desgustada
       pelo "porongo" de outrora.
      Sonhos tressuados de devaneios,
      tresvariados de doces fantasias transitórias.


      As rugas adquiridas,
      nesses setenta (70) anos percorridos.
     atingiram a epiderme e
     plissaram, profundamente,
     minha individualidade metafísica.
      Não entrelacei fios
     de vínculos familiares.
     Rejeitei a necessidade irrefutável
     de silenciar segredinhos
     de qualquer núcleo social.
     Denunciei falcatruas testemunhadas.
     Não  camuflei defeitos pessoais.
    Ah! Vivi intensamente
    uma diversidade de emoções.


                
   Moc  13-03-2011


ROMILDO ERNESTO DE LEITÃO MENDES
                    

Ouvindo o Alvorecer

                                                             





 













O sussurro do alvorecer
se faz poeticamente escutar,
ao pressentir os raios de sol,
que ameaçando rasgar o firmamento,
irão apagar as estrelas,
candelabros à noite acesos,
para pontilhar de luz a escuridão noturna
que o peregrino extasiado
insiste em  contemplar.

Prorrompe o sussurro do alvorecer,
impondo o limiar de um novo dia,
anunciado pelo orquestrar de vozes animais,
no ar eclodindo.
Soa o cacarejar, paulatino e impertinente, do galo.
Multiplica-se o pipilar de pardais irrequietos.
Zune compassado o chilrear de periquitos
esvoaçando sincronizados no horizonte sem fim.
Intensificam-se o guinchar dos suínos famintos
e o mugir melancólico dos bovídeos.

Cessa, de imediato, o coaxar dos sapos,
que resilientes se ocultam
no sombreado de grossas folhas sobrepostas
nas hastes das multicoloridas bromélias,
transbordantes de sereno recolhido.

Ao clarear o horizonte infinito,
o sol abusado forçou partir  saudosa a noite,
que fugindo, abandonou nas pontas do verde capim,
minúsculas gotas brilhantes de orvalho.
Talvez, lágrimas transparentes de sereno,
rastros delicados de quem forçada,                                                                                                     
de súbito, teve que se retirar,
mesmo sem desejar  ir.

Já agora, instalado o dia,
debruço-me nas asas da imaginação,
deixando-me palmilhar trilhas iluminadas
por entre touceiras de girassóis dourados e dourantes,
que balouçam desconjuntados
ao soçobrar da frígida brisa matinal.
                                                                                   15-09-2011


ROMILDO ERNESTO DE LEITÃO MENDES



Saudade de Manuel Bandeira   


Não foste apenas um segredo
De poesia e de emoção
Foste uma estrela em meu degredo
Poeta, pai! áspero irmão.

Não me abraçaste só no peito
Puseste a mão na minha mão
Eu, pequenino – tu, eleito
Poeta! pai, áspero irmão.

Lúcido, alto e ascético amigo
De triste e claro coração
Que sonhas tanto a sós contigo
Poeta, pai, áspero irmão?
                      
    Vinicius de Moraes



   ELEGIA

Que quer o vento?
A cada instante
Êste lamento
Passa na porta  
Dizendo: abre...
Vento que assuta
Nas horas frias
Na noite feia,
Vindo de longe,
Das êrmas praias
Andam de ronda
Nesse violento
Longo queixume,
As invisíveis
Bôcas dos mortos.
Também um dia,
Estando eu morto,
Virei queixar-me
Na tua porta
Virei no vento
Mas não de inverno,
Nas horas frias
Das noites feias.
Virei no vento
Da primavera.
Em tua bôca
Cheio de flôres
Serei carícias,
Que estão lá fora
Na noite quente.
Virei no vento...
Direi: acorda...


Ribeiro Colto


CANÇÃO DE MANUEL BANDEIRA

Já fui sacudido, forte,
de bom aspecto, sadio
como os rapazes do esporte.
Hoje sou lívido e esguio.
Quem me vê pensa na morte.
O meu mal é um mal antigo.
Aos dezoito anos de idade
começou a andar comigo
E esta sensibilidade
põe minha vida em perigo!
Já sofri a dor secreta
de não ser ágil e vivo.
Mas, enfim, eu sou poeta.
Tenho nervos de emotivo
e não músculos de atleta.
As truculências da luta!
Pra estas mãos não existe
o encanto da fôrça bruta.
... Nada como um verso triste
_ verso, lágrima impoluta...
(O bem que há num verso triste!)


Ribeiro Colto






 “No mistério do sem-fim
equilibra-se um planeta.
E no planeta um jardim,
e no jardim, um canteiro;
no canteiro, uma violeta,
e sobre ela, o dia inteiro,
entre o planeta e o sem-fim,
a asa de uma borboleta.”

Cecíllia Meireles



O utopista  


Ele acredita que o chão é duro
Que todos os homens estão presos
Que há limites para a poesia
Que não há sorrisos nas crianças
Nem amor nas mulheres
Que só de pão vive o homem
Que não há um outro mundo.


Murilo Mendes

Poema Mãos dadas



Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.

Carlos Drummond de Andrade



Retrato
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?

Cecilia Meireles



Ternura  


Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja velha canção nos teus ouvidos.
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas
Nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem

Sem fatalidade o olhar extático da aurora.

Vinícius de Moraes







Imagem





Uma coisa branca,
Eis o meu desejo.

Uma coisa branca
De carne, de luz,

Talvez uma pedra,
talvez uma testa,

Uma coisa branca.
Doce e profunda,

Nesta noite funda,
Fria e sem Deus.

Uma coisa branca,
Eis o meu desejo,

Que eu quero beijar,
Que eu quero abraçar,

Uma coisa branca
Para me encostar

E afundar o rosto.
Talvez um seio,

Talvez um ventre,
Talvez um braço,

Onde repousar.
Eis o meu desejo,

Uma coisa branca
Bem junto de mim,

Para me sumir,
Para me esquecer,

Nesta noite funda,
Fria e sem Deus.

Dante Milano


Amar

Que pode uma criatura senão,
senão entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

Carlos Drummond de Andrade


O ECO


''Ama, quieto e em silêncio.
É tão medroso o amor, que um gesto o esfria e a voz o gela."


"Perguntei à minha vida:
Como achar a apetecida
felicidade absoluta?
E um eco me disse: 
- Luta!

Lutei. - Como hei de a esta pena
dar cadência serena
que suaviza, embala e encanta?
O eco, então, me disse: 
 -Canta!

Cantei. - Mas, como, num verso,
resumir todo o universo
que em mim vibra, esplende e clama?
Então o eco me disse:
- Ama

Amei. - Como achar agora
a alma simples que eu pus fora
pelo prazer de buscá-la?
O eco, então, me disse:
- Cala!

Calei-me. E ele, então, calou-se.
Nunca a vida foi tão doce...
Tudo é mais lindo a meu lado:
Mais lindo, porque calado."


                             Guilherme de Almeida          



Verde que te quero verde


                                            Federico Garcia Lorca
Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco vai sobre o mar
e o cavalo na montanha.
Com a sombra pela cintura
ela sonha na varanda,
verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Verde que te quero verde.
Por sob a lua gitana,
as coisas estão mirando-a
e ela não pode mirá-las.
Verde que te quero verde.
Grandes estrelas de escarcha
nascem com o peixe de sombra
que rasga o caminho da alva.
A figueira raspa o vento
a lixá-lo com as ramas,
e o monte, gato selvagem,
eriça as piteiras ásperas.
Mas quem virá? E por onde?...
Ela fica na varanda,
verde carne, tranças verdes,
ela sonha na água amarga.
— Compadre, dou meu cavalo
em troca de sua casa,
o arreio por seu espelho,
a faca por sua manta.
Compadre, venho sangrando
desde as passagens de Cabra.
— Se pudesse, meu mocinho,
esse negócio eu fechava.
No entanto eu já não sou eu,
nem a casa é minha casa.
— Compadre, quero morrer
com decência, em minha cama.
De ferro, se for possível,
e com lençóis de cambraia.
Não vês que enorme ferida
vai de meu peito à garganta?
— Trezentas rosas morenas
traz tua camisa branca.
Ressuma teu sangue e cheira
em redor de tua faixa.
No entanto eu já não sou eu,
nem a casa é minha casa.
— Que eu possa subir ao menos
até às altas varandas.
Que eu possa subir! que o possa
até às verdes varandas.
As balaustradas da lua
por onde retumba a água.
Já sobem os dois compadres
até às altas varandas.
Deixando um rastro de sangue.
Deixando um rastro de lágrimas.
Tremiam pelos telhados
pequenos faróis de lata.
Mil pandeiros de cristal
feriam a madrugada.
Verde que te quero verde,
verde vento, verdes ramas.
Os dois compadres subiram.
O vasto vento deixava
na boca um gosto esquisito
de menta, fel e alfavaca.
— Que é dela, compadre, dize-me
que é de tua filha amarga?
— Quantas vezes te esperou!
Quantas vezes te esperara,
rosto fresco, negras tranças,
aqui na verde varanda!
Sobre a face da cisterna
balançava-se a gitana.
Verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Ponta gelada de lua
sustenta-a por cima da água.
A noite se fez tão íntima
como uma pequena praça.
Lá fora, à porta, golpeando,
guardas-civis na cachaça.
Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco vai sobre o mar.
E o cavalo na montanha.








Poesias de Carlos Drummond de Andrade

Quero me casar

“Quero me casar
na noite na rua
no mar ou no céu
quero me casar.
Procuro uma noiva
loura morena
preta ou azul
uma noiva verde
uma noiva no ar
como um passarinho.
Depressa, que o amor
não pode esperar!”
(por Carlos Drummond de Andrade)



Amar
Que pode uma criatura senão,
senão entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

Carlos Drummond de Andrade

Cidadezinha qualquer

Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.
Eta vida besta, meu Deus.

De Alguma poesia (1930)

Carlos Drummond de Andrade

Federico Garcia Lorca nasceu na região de Granada, na Espanha, em 05 de junho de 1898, e faleceu nos arredores de Granada no dia 19 de agosto de 1936, assassinado pelos "Nacionalistas". Nessa ocasião o general Franco dava início à guerra civil espanhola. Apesar de nunca ter sido comunista - apenas um socialista convicto que havia tomado posição a favor da República - Lorca, então com 38 anos, foi preso por um deputado católico direitista que justificou sua prisão sob a alegação de que ele era "mais perigoso com a caneta do que outros com o revólver." Avesso à violência, o poeta, como homossexual que era, sabia muito bem o quanto era doloroso sentir-se ameaçado e perseguido. Nessa época, suas peças teatrais "A casa de Bernarda Alba", "Yerma", "Bodas de sangue", "Dona Rosita, a solteira" e outras, eram encenadas com sucesso. Sua execução, com um tiro na nuca, teve repercussão mundial.




Ode ao Caldo de Congro 

“No mar/ tormentoso/ do Chile/ vive o rosado congro,/ gigante enguia/ de nevada carne./ E nas panelas/ chilenas,/ na costa,/ nasceu o caldo/ grávido e suculento,/ proveitoso./ [...] Enquanto/ se cozem/ com o vapor/ os régios/ camarões marinhos/ e quando já chegaram/ a seu ponto,/ quando coalhou o sabor/ em um caldo/ formado pelo suco/ do oceano/ e pela água clara/ que desprendeu a luz da cebola,/ então/ que entre o congro/ e se mergulhe na glória,/ que na panela/ se azeite,/ se contraia e se impregne./ Já só é necessário/ deixar no manjar/ cair o creme/ como uma rosa espessa,/ e ao fogo/ lentamente/ entregar o tesouro/ até que no caldo/ se esquentem/ as essências do Chile,/ e à mesa/ cheguem recém-casados/ os sabores/ do mar e da terra/ para que nesse prato/ conheças o céu.”

                                                                               (Pablo Neruda)



O Poeta e o Serpenteio ( Rafita)

Assim como eu
sempre me pensei
como um poeta carpinteiro,
penso que Rafita é um
poeta da carpintaria.

Escrevi, com giz, os nomes
de  meus amigos mortos, sobre
as vigas e ele foi cortando
minha caligrafia na
madeira com tanta velocidade,
como se estivera voando
atrás da minha escrita,
outra vez os nomes com
a ponta de uma asa.

                                                        (Pablo Neruda) 

Nenhum comentário:

Postar um comentário