segunda-feira, 26 de março de 2012

Falar a verdade ao idoso?

Antes de tentar responder a pergunta acima, vamos ler primeiro esta história real, com nomes e situações preservados por alterações:

“Dr. Antonino estava preocupado não somente com a saúde debilitada de Nestor, 84 anos, portador de doença coronariana severa (coronárias obstruídas), mas também de como a esposa e os filhos escondiam dele a gravidade e o prognóstico dado pelo cardiologista. Mesmo após três pontes de safena e duas angioplastias, as crises de anginas e o coração dilatado mostravam que a doença cardíaca não evoluía bem. O que era pior, até deitado, vinha as crises de dor no peito e de falta de ar. O médico tentou contra-argumentar com a esposa (esta era irredutível), mostrando que Nestor deveria saber da gravidade de seu quadro clínico, era um direito seu. Nada.

Um dia, por acaso, numa dos vários internamentos de Nestor, para controle dos sintomas de angina e falta de ar, Dr. Antonino chegou no quarto onde estava internado e notou que estava sozinho. Perguntou pela esposa, sua fiel escudeira, e recebeu a resposta de que fora à capela do hospital, rezar o terço junto com o pessoal da pastoral da saúde. Examinou, então, mais uma vez o paciente, e quando já ia embora, foi interpelado pelo Nestor com uma pergunta desconcertante: – Será que consigo chegar pelo menos até o natal, Dr. Antonino? Com um olhar quase imperceptível de espanto, mas experiente pelas décadas de acompanhamento de pacientes cardiopatas graves, Dr. Antonino rebateu com outra pergunta: – Por que a pergunta longe dos filhos e da esposa? O que o Sr. quer dizer com isto?

- Realmente, preferi falar longe de minha família, sobre o meu estado, doutor, pois sinto que eles têm uma esperança muito grande e uma fé enorme de que vou me curar! Mas percebo que meu coração já deu o que tinha que dar. Não me resta muito tempo para o infarto fatal. Mas, olhando para o rosto de minha esposa, para a fé de minha filha, não… eu não tenho direito de lhes roubar este fio de esperança! Não é justo, Dr. Antonino! O senhor me entende?”

Após ler esta história, temos duas considerações a fazer:

É direito do paciente idoso saber sobre o seu real estado de saúde?
Se lhe é concedido o direito, como falar a verdade?

Respondendo a primeira pergunta, temos o respaldo ético de três autoridades no assunto:
Do Código de Ética Médica: é vedado ao médico ” deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta ao paciente possa provocar-lhe dano, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita pelo responsável legal”.

Do Código de Ética do Hospital Brasileiro: “O paciente e/ou seu responsável legal têm o direito irrestrito a toda informação referente à sua saúde, ao tratamento prescrito, às alternativas disponíveis e aos riscos e contra-indicações de cada uma destas. É reconhecido ao paciente o direito – igualmente irrestrito – de recusar determinado tratamento”.
Da Carta Brasileira dos Direitos dos Pacientes: “Toda pessoa necessitada de cuidados de saúde tem o direito de… ser informada a respeito do processo terapêutico a que esta submetida, bem como de seus riscos e probabilidades de sucesso…. de solicitar e receber informações relativas ao diagnóstico, ao tratamento e aos resultados de exames e outras práticas efetuadas durante a sua internação… de ser informado o real estado de sua enfermidade, do real estado de gravidade”.

Ainda é corriqueiro em nossa cultura brasileira, a máxima de não falar prognósticos catastróficos para os pacientes, com medo de agravar ainda mais o quadro clínico. Quanto menos o doente fica sabendo, talvez melhor seriam suas chances de recuperação e cura! Quanto mais idoso, menos se fala!

Porém, primeiro nos países desenvolvidos (Estados Unidos, Europa…) observamos que cada vez mais se fala a verdade para os pacientes, como um direito inalienável. Em nosso meio, esta mentalidade de “dourar a pílula”, de esconder a verdade, ainda está muito arraigada nas famílias, o que atrapalha a dificuldade de comunicação entre o médico e o paciente. Será que, realmente, estamos protegendo o paciente?

Voltemos a pergunta do título desta página: como falar a verdade…?

Como diz Léo Pessini, em seu livro “Como lidar com o paciente em fase terminal” (Ed. Santuário, 1990), de onde muitas idéias desta página foram retiradas: “O paciente em fase terminal ou então, mais amplamente, que tem uma doença incurável, TEM O DIREITO DE SABER A VERDADE. Não temos o direito de tirar a esperança de ninguém, mas igualmente não podemos acrescentar ilusões. São geralmente desastrosas as práticas de enganar. O paciente necessita, sim, de esperanças, mas não pode ser enganado.

Léo Pessini continua: “A responsabilidade primeira de comunicar a verdade é do médico, mas também quem está mais próximo do doente pode fazê-lo, com ciência do médico. Cada caso é diferente, dependendo da sensibilidade e capacidade daqueles que prestam os cuidados, bem como da condição do paciente e de sua habilidade de relacionar-se com os outros”.

Um último depoimento, de uma senhora idosa portadora de câncer: ” Não sou mais obrigada a ouvir, em respostas as minhas perguntas silenciosas, as palavras, certamente bem-intencionadas, de consolo hipócrita, que me dirigiam as enfermeiras… Pouparam-me que se falasse uma coisa aqui no quarto e outra diferente lá fora, diante da porta… A palavra CÂNCER foi pronunciada inclusive por mim mesma. Com isto, foi-me evitada a humilhação de ser animada por consoladores sem a mínima sensibilidade. Dessa forma, foi preservada a minha dignidade, pude continuar a viver como ser humano. Creio que o mais importante, no entanto, foi que a mim e a meus familiares, foi poupado um triste jogo de esconder. Dessa maneira, não se criou nenhuma barreira entre nós. Continuamos unidos, exatamente quando era tão necessário e aproximamo-nos mais ainda”!

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